Por: Bruna Rocha
A ausência do nome do pai na certidão de nascimento caiu 60% no Nordeste, mas no país são quase 1,5 milhões sem a paternidade registrada | Foto: Dorin Puha/iStockphoto
“Pude perceber, através de amigos, que não tinha família com pai e mãe”. Esse foi o sentimento vivido por Douglas Lopes, 26 anos, e por outros quase 1,5 milhão de brasileiros que cresceram sem a presença do genitor e sem o reconhecimento legal do pai na certidão de nascimento. Na edição deste domingo (10), quando é celebrado o Dia dos Pais, a BNews Premium analisou os dados do Portal da Transparência do Registro Civil e revelou o maior número de ausências paternas já registrado na história do Brasil.
“Foi na adolescência que percebi a ausência do meu pai, você está ali crescendo, você está aprendendo, descobrindo quem é você e descobrindo as coisas. E aí eu pude perceber por pessoas próximas de mim, tipo: amigos, colegas, etc, que tinham aquela família constituída e que eu não tinha aquilo. Eu não tinha aquilo de pai e mãe. Então nesse momento que percebi que, de fato, que ele [o pai] era qualquer um. Que não ia me ajudar em nada, não ia agregar em nada. E nisso eu fui trabalhando isso sozinho”, recorda o analista de sistemas.
A história do jovem se mistura com muitos brasileiros. Conforme dados do Registro Civil analisados pela BNews Premium, entre janeiro de 2016 e agosto de 2025, o Brasil registrou 1.414.847 casos de ausência paterna. Isso significa que mais de 5% das crianças nascidas nesse período não têm o nome do pai na certidão de nascimento.
Entre os anos analisados, 2023 se destacou, com aproximadamente 169 mil (169.204) crianças registradas sem o reconhecimento paterno, o maior número dos últimos 10 anos. Em 2025, o quantitativo segue elevado no que diz respeito à ausência de reconhecimento legal. Até o momento, mais de 64 mil crianças foram registradas sem o nome do pai.
Entre as regiões brasileiras em destaque, o Nordeste ocupa o segundo lugar no ranking nacional. No período analisado, 7 milhões (7.149.888) de crianças nasceram na região, delas mais de 425 mil (425.233), o equivalente a aproximadamente 6% do total, foram registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento.
Em primeiro lugar no ranking está a região Sudeste, com mais de 10 milhões (10.291.216) nascimentos no observado. Desses, 497 mil (497.293) não tem o nome do pai no registro, o que representa aproximadamente 5% do total.
Ainda nos últimos 10 anos, apenas pouco mais de 264 mil crianças (264.070) tiveram o reconhecimento legal da paternidade. No ranking por regiões, o cenário se mantém: a região Sudeste segue na liderança, seguida pela região Nordeste.
Além disso, os dados revelam que, desde 2023, o número de reconhecimentos caiu de forma abrupta — uma queda que ainda persiste – refletido, na época, nos mais de 169 mil registros de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. Em 2025, o país vem registrando o pior saldo de presença paterna em documentos dos últimos 10 anos.
Registro de paternidade ainda não é realidade para quase 1,5 milhão de pessoas (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Em entrevista à BNews Premium, o psicólogo infantil Gilmar Reis destacou alguns dos impactos que a ausência paterna pode causar no desenvolvimento desses crianças.
Esses indivíduos podem desenvolver insegurança, ansiedade, sensação de não pertencimento e abandono. Essa falta paterna pode gerar um sentimento de que ‘falta algo’, uma espécie de lacuna emocional e identitária, como se estivesse faltando uma parte importante na construção de quem é aquela criança”, destaca o especialista.

“Isso pode impactar desde o desenvolvimento da autoestima até a capacidade de criação de vínculos afetivos. Também pode interferir no rendimento escolar, gerar instabilidade emocional e até comportamentos agressivos, principalmente entre os meninos. Já nas meninas, a gente observa muito uma tendência a desenvolver comportamentos de submissão na adolescência e vida adulta, buscando relacionamentos com figuras que de alguma forma preencham essa ausência paterna. Às vezes, até legitimando formas de relacionamento abusivo, por carência afetiva ou identificação com padrões negativos”, alerta o psicólogo.
Além disso, o profissional destaca que fatores socioeconômicos contribuem para a ausência paterna, entre eles o machismo e a estrutura patriarcal. Outro aspecto ressaltado é a questão da segurança pública, que também impacta diretamente essa realidade.
“A [questão] policial e a [situação] ligada ao tráfico, afetam principalmente jovens negros das periferias que acabam morrendo precocemente. Esses jovens mantêm relações afetivas e sexuais, muitas vezes gerando filhos antes de falecerem. A ausência paterna, nesse contexto, é também resultado da violência estrutural”, conta.
Crescimento lento e forçado
Diante da queda nacional na presença paterna nas certidões de nascimento, Salvador apresenta um cenário diferente, com aumento nos reconhecimentos de paternidade. Apesar disso, a ausência continua alarmante.
Entre janeiro e agosto de 2025, a capital baiana registrou o nascimento de 175 mil crianças. Desse total, apenas 1.400 tiveram o nome do pai incluído na certidão de nascimento, o que representa apenas 0,8% dos registros com reconhecimento paterno formalizado. Por outro lado, mais de 12 mil crianças (12.753) foram registradas sem o nome do genitor no documento.
Entre os anos de 2020 e 2024, a série histórica em Salvador revelou um aumento significativo no número de registros de paternidade. Em 2020, apenas 70 crianças, de mais de 34 mil nascidos, tiveram o nome do pai reconhecido. No entanto, em 2024, esse número cresceu para 166 registros, considerando um total de aproximadamente 26 mil nascimentos.
Isso representa um aumento superior a 137% nos registros de paternidade durante esse período, mesmo com a diminuição no total de nascimentos.
“A gente pode atribuir esse aumento no número de registros de paternidade a algumas políticas públicas, com o apoio do governo estadual, implementadas nos últimos anos. Além disso, podemos observar vários outros fenômenos. Há uma diminuição específica no número de nascimentos, possivelmente relacionada ao aumento do nível de escolaridade. Isso faz com que muitas pessoas programem sua maternidade e paternidade, considerando diversos fatores em suas vidas”, acrescentou o psicólogo.
“Meu Pai Tem Nome “
A fim de estimular o reconhecimento parental, pelo quarto ano o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), com apoio da defensoria pública dos estados e do Distrito Federal, lançou a campanha “Meu Pai Tem Nome”, visando reduzir o número de casos de filhos e filhas com pais ausentes. Na Bahia, entre os serviços disponibilizados estão a oferta de exames de DNA, reconhecimento de paternidade (espontâneo e socioafetivo) e orientações jurídicas.
“Nossa expectativa para este ano é ampliar ainda mais o alcance do mutirão”, conta a presidenta do Condege e defensora-geral, Luziane Castro.
No estado baiano, as ações para reconhecimento de paternidade começaram no dia 1º, tendo um foco principalmente as cidades de Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Filho, Candeias, Itaparica, Ribeira do Pombal e Euclides da Cunha. Nesses municípios, os atendimentos vão acontecer de maneira espontânea durante todo o mês de agosto. Em Salvador, a Arena Fonte Nova sediará um mutirão de reconhecimento no dia 15 de agosto.
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